sábado, 28 de setembro de 2019

Desejar a tranqüilidade e Pureza do coração

         "Os que viajam sem rumo só conseguem o cansaço da jornada, e jamais o avanço em sua caminkada.” Abade Moisé

         É, portanto, visando à pureza de coração que tudo devemos fazer e desejar. Por ela, é necessário que abracemos a solidão, suportemos os jejuns, as vigílias, os trabalhos, a nudez; que nos dediquemos à leitura e à prática das outras virtudes, tendo como intuito, exclusivamente, conservar nosso coração invulnerável a qualquer paixão, fazendo-o galgar todos esses degraus, até que atinja a perfeição da caridade. E se, impedidos por alguma legítima e indispensável ocupação, não pudermos realizar nosso programa rotineiro, não nos deixemos, por amor a tais observâncias, sucumbir à tristeza, à cólera ou à indignação, porquanto foi no intuito de reduzir tais vícios que teríamos feito o que foi omitido. Por isso, não é tão grande o lucro que nos adviria de um jejum praticado, quanto o prejuízo que sofreríamos com um movimento de ira; nem tão notável o benefício obtido por uma leitura, quanto o dano causado pelo desprezo a um irmão. 
          Convém, portanto, condicionarmos essas práticas secundárias, como jejuns, vigílias, retiros, meditações da Escritura, a nosso escopo primordial, isto é, à pureza de coração, que outra coisa não é, senão a própria caridade. É necessário, pois, não menosprezar, por causa de tais virtudes secundárias, aquela virtude essencial, pela qual, se a mantivermos intacta e íntegra, nada nos poderá prejudicar, mesmo que, por alguma necessidade, tenhamos que negligenciar um ou outro exercício secundário. Uma observância minuciosa de nada nos adiantaria, caso nos deixássemos distanciar de nosso escopo primacial, razão de todos os nossos esforços. 
         Quando um artesão se empenha em obter os instrumentos necessários à sua profissão seria, porventura, tão somente pelo desejo de mantê-los ociosos e sem uso? Ora, a simples posse desse instrumental não lhe traria nenhum proveito, pois é o domínio de seu manuseio que o fará atingir a perfeição em sua arte. Por isso, jejuns, vigílias, meditações sobre a Escritura, nudez, privação completa de recursos não constituem a perfeição, mas são apenas os instrumentos para que possamos adquiri-la. Uma vez que, embora não sejam o fim daquela disciplina, são os meios através dos quais aquele poderá ser alcançado.
         Seria, pois, absolutamente inútil que alguém multiplicasse tais exercícios, e neles fixasse a intenção de seu coração, como se fossem o sumo bem, deixando de aplicar todos os seus esforços naquilo que realmente constitui nosso escopo e por causa do qual exercemos todas essas práticas. Possuiríamos, assim, os instrumentos de nossa arte, mas ignoraríamos o seu fim, no qual se encontra todo o benefício. Tudo quanto possa perturbar a pureza ou a tranqüilidade de nossa alma deveria ser evitado como pernicioso, mesmo que nos pareça de alguma utilidade. Essa norma irá nos permitir escapar à dispersão provocada por pensamentos extravagantes e atingir, de acordo com a direção correta, o fim desejado.

São João Cassiano.
I CONFERÊNCIA DO ABADE MOISÉSÉ: É preciso a tranquilidade do coração. p. 26-28.

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